domingo, 22 de maio de 2011

Yantra-Yoga: A Geometria Divina

EM SEU ESFORÇO para intensificar consciência e transcender suas ordinárias limitações, os yoguis tira¬ram vantagem de toda a gama das expressões e potencialidades humanas. Assim, utilizaram, por exemplo, a capacidade ativa para constituir o Karma-Yoga; a inata capacidade devocional para o Bhakti-Yoga; a capacidade de produzir complexos padrões sonoros para o Mantra-Yoga; a capacidade de concentração para o Râja-Yoga; e a faculdade do discernimento para o Jnâna-Yoga. Além disso, como seria de se espe¬rar, os yogins também fizeram uso do nosso sentido mais poderoso - o sentido da visão - associado à nossa capacidade de visualização.
A disciplina yogue depende essencialmente da concentração interna ou da capacidade de fixação da atenção. Em algumas escolas, essa concentração toma por objeto uma visualização propriamente dita, uma forma criada pela imaginação. Um objeto visual definido é conservado no campo de atenção da mente por um período prolongado a fim de produzir uma mudança na consciência. O Tantra, por exem¬plo, emprega desenhos geométrico chamados yantras, que são considerados instrumentos altamente eficientes para concentrar a mente dispersa.
Segundo a filosofia tântrica, as muitas formas do universo não têm somente a sua figura característica perceptível pelo olho, mas também toda uma "cos-mografia” específica. Ou seja, todas as coisas ani¬madas ou inanimadas - levam dentro de si um "registro" fiel da sua gênese. Além disso, nesse registro está contida também a história do cosmos como um todo. Isso acontece porque até mesmo as menores partículas do cosmos refletem a sua estrutura total. Nesse sentido, pode-se dizer que toda forma perceptí¬vel é um yantra.
Essa maneira de encarar a existência é típica de to¬das as sociedades tradicionais, que vêem o mundo co¬mo um acontecimento sagrado. Tradicionalmente, a religião sempre foi um reconhecimento da existência de um vínculo real e efetivo entre o Céu e a Terra. Os templos e pirâmides do mundo antigo foram construí¬dos para sublinhar esse vínculo. Foi só numa época muito recente que essa visão do mundo começou a ser progressivamente destruída pela ideologia do cientifi¬cismo, que busca desmitologizar" toda a existência, esquecendo-se que nem só do intelecto vive o homem.

Buscando sempre a simplicidade da compreensão e a reconstituição de um vínculo efetivo com o sagrado, os metafísicos do Tantra chegaram à conclusão de que todas as formas cósmicas podem ser reduzidas a um número definido de figuras geométricas primárias, co¬mo o ponto, a linha, o triângulo, o quadrado e o cir¬culo. Reconhece-se nesses elementos um valor simbó¬lico fixo. Quando se combinam, considera-se que expressam as qualidades particulares que se incorpo¬ram em certos aspectos da criação.
No sentido técnico mais estreito, o yantra é um padrão geométrico complexo empregado especificamente no Tantra como "instrumento” - a tradução literal do nome yantra da interiorização da cons¬ciência e da transcendência da mente vulgar. 0 Tantra-Tattva (folha 519), texto tântrico tardio, afir¬ma que o yantra tem esse nome porque controla (nix_ antrana) as paixões e, logo, também o sofrimento.
O yantra é considerado um vaso ou sede de deter¬minadas divindades que representam as grandes for¬ças criativas do universo como Lakshmi- porta¬dora da boa fortuna), Vishnu (aquele que está em tudo) e Ganesha ou Ganapati (aquele que remove os obstáculos), o deus da cabeça de elefante.
Durante uma típica cerimónia tãntrica, essas divindades são invocadas pela recitação de sons de poder (mantra), gestos sagrados (mudrâ), exercícios respiratórios (prânâyâma) e uma grande variedade de outras técnicas rituais. Uma das práticas principais consiste na criação do Nanara próprio da divindade a ser adorada. Para tanto, a figura geométrica é desenha¬da no papel, na madeira ou sobre a areia, ou gravada em metal, ou às vezes modelada em três dimensões.
Porém, não basta desenhar ou modelar o yantra externamente. Aos poucos, o praticante do tantra tem de estabelecer o yantra dentro de si por meio da visualizaçao e da concentração intensas. Tem de construir na própria mente um vivido modelo tridi¬mensional do yantra. Ou, antes, tem de vir a perceber pela experiência que seu corpo é, na realidade, idên¬tico à forma do yantra.
Trata-se de um processo difícil e prolongado. Para nós, modernos, pode parecer até mesmo uma tarefa impossível, visto que já não gozamos da excelente memória que tinham os nossos antepassados. As sociedades tradicionais não transmitiam seus conhe¬cimentos por escrito, mas de forma oral. Os hinos dos Vedas, por exemplo, bem corno as passagens em prosa e verso dos Upanishads, eram originalmente memori¬zados, e com uma precisão assombrosa. Entretanto, com o uso cada vez mais extenso dos livros, essa mara¬vilhosa faculdade mnemônica foi quase completa¬mente perdida. Mas a memória é crucial para o tipo de visualização necessária no Yoga, especialmente no Tantra-Yoga.
O yantra construído na mente tem de se tornar uma experiência tão intensa que parece algo vivo. Quando o praticante alcança o êxito nessa obra inter¬na, o yantra se torna um campo de força vibrante que absorve completamente a sua atenção. Com o tempo, ele já não sabe se é o yantra que está dentro dele ou ele que está dentro do yantra. Sua consciência é leva¬da paulatinamente a um estado de absorção profunda no qual já não percebe os objetos corpóreos que a rodeiam. Seus sentidos já não registram os estímulos externos e a pessoa vive completamente dentro de seu mundo interno. Por fim, ela toma consciência da própria divindade (isto é, a força criativa personaliza¬da) do yantra.

A absorção meditativa (dhyâna) é caracterizada por uma gradual abolição da distinção entre o sujeito e o objeto, distinção essa que é o próprio pilar da consciência vulgar de vigília. No final do processo chega-se à unificação completa dos dois pólos da experiência, a fusão entre o conhecedor, o objeto conhecido e o próprio ato de conhecimento. Nesse ponto se transcende toda a dualidade. Esse estado se chama samâdhi ou "êxtase".
Existem dois tipos fundamentais de samâdhi, um "interior" e uma "superior". O primeiro tem por base uma “forma” (rûpa) ou ponto focal , com o qual o sujeito da experiência entra em tusão. No outro tipo de samâdhi, desaparecem todos os conteúdos da cons¬ciência. Esta, em sua forma suprema (cit), permanece recolhida em si mesma. A consciência empírica e temporariamente abolida, dando lugar à "testennu¬nha" (sâkshin) transcendental. E esse o estado que se chama de libertação ou realização do Si Mesmo.
A experiência meditativa da divindade de um determinado yantra se encaixa na modalidade "infe¬rior„ do samâdhi. É considerada uma preparação importantíssima para a realização final do Si Mesmo É universal
No começo da Pratica: paradoxalmente, deve-se trabalhar com um yantra mais complexo. Uma vez atingida, pelo exercício regular, um certa medida de êxito na visualização e na concentração, o yantra pode ser grandemente simplificado. Pode ser cons¬truído, externa ou internamente, de dois modos. Pode ser imaginado a partir do ponto central (hindu) para fora, de acordo com o processo de evolução cós¬mica; ou pude ser visualizado da circunferência exte¬rior em direção ao centro, de acordo com o processo de absorção meditativa (ou involução). O simbolis¬mo dos elementos que constituem o yantra é relativa¬mente simples.
Já o sentido interior do yantra, incor¬porado em sua divindade, so pode ser plenamente captado quando é objeto de uma experiência íntima.
O elemento principal de qualquer yantra, embora não seja figurado em todos, é o ponto ou bindu, (goto). Ele representa aquele ponto do espaço e do tempo em que qualquer objeto chega à manifestação. O hindu se situa entre a manifestação e o não manifesto, entre o ato e a potência. E a matriz criativa, a estrutura pri¬mária da qual nasce todo o cosmos multiforme. Isso vale tanto para o mundo físico quanto para o univer¬so psicológico, para o macrocosmo e o microcosmo.
Não existe manifestação sem movimento. Geo¬metricamente, isso se expressa por uma linha ou uma combinação de linhas.
O movimento ascendente é figurado por um triângulo com a ponta para cima, simbolizando o princípio masculino do universo, shi¬va. Por analogia, é ligado ao elemento fogo e à ativi¬dade mental em geral. Seu valor numérico é 3. O triângulo com a ponta para baixo representa o princí¬pio criativo feminino, shakti, que consubstancia a ati¬vidade de shiva. Está ligado ao elemento água e seu valor numérico é 2.
O dodecágono, um dos elementos mais comuns nos yantras, e composto de um triângulo que aponta para cima e outro que aponta para baixo. Simboliza o estado de equilíbrio no mundo manifesto.
A existên¬cia do cosmos é possibilitada por um perfeito equilí¬brio dinâmico entre forças opostas.
O estado de caos ou negação é representado por dois triângulos dispostos verticalmente e ligados pelas pontas, formando assim o "tambor de Shiva". O Deus Shiva representa aí o princípio da desrruição e, por¬tanto, o da renovação.
O quadrado representa o elemento terra (bhû); seu valor numérico é 4. Esse simbolismo é quase universal.
O círculo é o símbolo da periodicidade e do ritmo. Pode significar também a energia "enrodilhada" latente na matéria. Está ligado ao quinto elemento, o éter (âkâsha). Seu valor numérico pode ser 1 ou 10.
O hexágono, símbolo do elemento ar (vâyu), representa o movimento disperso.
Os lótus que fazem parte de diversos yantras signi¬ficam determinadas entidades ou energias personifi¬cadas, que se identificam pelo número de suas pétalas. O lótus de oito pétalas, por exemplo, indica o Deus Vishnu, o preservador.

Os textos tântricos mencionam e descrevem um grande número de yantras, a maioria dos quais tens uso espiritual. Existem alguns, porém, que são usados especificamente para se curar doenças ou obter bene¬fícios materiais. O yantra mais conhecido é sem dúvi¬da o shri-yantra, também chamado shri-cakra (roda auspiciosa). E um arquétipo simbólico do cosmos e, por analogia, do corpo humano. E o grande símbolo da Deusa (devî) ou Shakti, tanto na forma transcen-dente quanto na imanente. Devî é o princípio femini¬no do universo, o poder ou energia responsável por toda a criação.
Segundo a filosofia tântrica, Deus e Deusa são na realidade um só. Ambos juntos constituem a Unidade primordial, a Realidade singular que está além de to-dos os fenômenos. Sua separação, experimentada no nível empírico, e a raiz de todo o sofrimento humano. A auto-realização consiste na descoberta de que, no nível supremo da existência, Deus e Deusa enlaçam ¬se num abraço eterno; e o adepto realizado participa do deleite dessa eterna união.
O shri-yantra, tal como é empregado na liturgia tântrica, serve para lembrar o yogin ou a yogini que na realidade a distinção entre sujeito e objeto não exis¬te. Esse yantra é composto de nove triângulos justa¬postos, arranjados de tal modo que produzem um to¬tal de 43 triângulos menores. Quatro dos nove triângulos primários apontam para cinta e represen¬tatu a torça cosrllica masculina; cinc() aporltanl para baixo e simbolizam o poder cósmico feminino.
Esses triângulos são rodeados por um lótus de oito pétalas que simboliza Vishnu, a tendência ascenden¬te presente em todo o cosmos. O outro lótus, de dezesseis pétalas, representa a obtenção do objeto do desejo, particularmente o poder sobre a mente e os órgãos dos sentidos. Ao redor desse segundo lótus há quatro linhas concêntricas, simbolicamente ligadas aos dois lótus caos triângulos. A estrutura exterior de três linhas é chamada "cidade da Terra" (bhú-pura); simboliza as três esferas do mundo e, microcosmica¬mente, o corpo humano.
No sul da India, o shri-yantra é um objeto de ado¬ração. Alguns templos hindus da época medieval ou posteriores têm certos santuários onde se encontra um altar menor. Segundo a tradição, esses altares guardam gravuras do shri-yantra. O shri-yantra tam¬bem costuma ser gravado cm finas folhas de ouro, pra¬ta ou cobre, enrolado e colocado dentro de um cilin¬dro metálico para ser usado como uma espécie de amuleto, que por motivos de saúde, quer, infelizmen¬te, para auxiliar na prática da magia negra.
O mandala é uma versão pictórica muito mais detalhada do yantra e é usado especialmente no Bu¬dismo tibetano (Vajrayna). Em vez de um ponto, ima¬ginário ou realmente indicado, o mandala tem no centro o Buda Primordial (Adi-Buddha) do qual pro¬cedem, nas quatro direções, os "Quatro Paraísos", res¬pectivamente supervisionados por vários Budas ou seres iluminados. Fora das "muralhas” internas cesses campos paradisíacos situam-se tipicamente os Quatro Budas Humanos e os Quatro Guardiões.
O Yantra-Yoga é uma forma de "adoração interna" (antar-pújâ), geralmente dirigida à Deusa. Depois de a Deusa ser invocada por meio dos mantras, ou sons de Poder, deve ser convidada a entrar e ser adequada¬mente instalada no yantra, que é o seu corpo. Uma vez que o _yantra visualizado internamente não é ou¬tra coisa senão o próprio corpo-mente do praticante, a instalação da Deusa no yantra significa que ele ou ela agora é uma coisa só.
É então que começa a tarefa ainda mais difícil de dissolver progressivamente o yantra-dos elementos externos em direção aos internos. Como o yantra é identificado ao próprio complexo psicossomático do praticante, essa dissolução implica a dissolução do seu mundo interno. Quando a consciência se reduz a unidade do hindu, ocorre uma mudança radical. O yogin ou yogini se identifica com a Realidade última, super¬consciente, onipresente e eterna. Assim, o yantra é somente um instrumento para reduzir aos poucos as complexidades da mente até que se recupere a simpli¬cidade da Realidade, do Si mesmo




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